Tabu

"How anyone feels when they look at them doesn't really matter. It's private."
Apesar de ser baseado no livro originalmente intitulado Towelhead (termo de difamação tipicamente americano dirigido aos imigrantes oriundos de terras onde mulheres usam o infame xador), Tabu chegou a se chamar Nada é Particular quando estreou em festivais, já que o título original causou controvérsia na comunidade árabe-americana. O nome original acabou sendo mantido, mesmo após os protestos. Adequado, óbvio, já que retrata muito bem a condição que a personagem da jovem Jasira precisa passar ao viver em uma sociedade americana afundada no preconceito. Além de que, de forma bem simbólica, traduz a repressão sexual da qual a personagem se liberta ao decorrer da história – já que a natureza do xador é inibir, principalmente, as aspirações sexuais e estéticas da mulher. O título Nada é Particular também convém, por outro lado, ao sintetizar de maneira bem explícita o discurso do interessante (ainda que falho) filme, que por sua vez marca a estreia de Alan Ball na direção – sujeito que adora cutucar a ferida do sonho americano.

Lançado no Brasil como O Deserto de Jasira, o livro no qual o filme se inspirou coloca a personagem de descendência árabe em outro tipo deserto: da desolação americana. No filme, Jasira é interpretada por Summer Bishil como uma garota de 13 anos encarando os Estados Unidos durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Apesar de morar com a mãe, ela é expulsa de casa e enviada para a casa do pai, no Texas, quando deixa o namorado de sua mãe raspar seus pelos pubianos. Vivendo no regime fechado de seu autoritário e hipócrita pai, Jasira se torna cada vez mais oprimida. Paralelamente, sua sexualidade começa a aflorar diante de descobertas e pessoas novas que adentram sua vida. A mais perigosa sendo Travis (Aaron Eckhart), pai de família atraído pela jovem.

A prosa da autora Alicia Erian caiu em boas mãos. Alan Ball, que roteirizou Beleza Americana e criou a maravilhosa série A Sete Palmos, revelou-se um autor inteligente e perspicaz que não só analisa tipos e desconstrói sonhos, mas esmiúça certas noções tidas como verdades absolutas. Ball não vê as coisas como preto e branco, mas camufladas de forma que o certo e o errado tornam-se indistinguíveis. Algo que Ball trabalharia ainda na outra série que criou, True Blood. Tabu, porém, não está nem perto da grandiosidade que Ball já demonstrou possuir. Apesar de já ter dirigido 9 episódios televisivos, é a primeira vez de Ball na condução de um longa-metragem e esse “amadorismo” é notável ao denotarmos a falta de textura da narrativa. Ball divaga durante o discurso excelente que o texto traz a tona, não demonstrando o mesmo instinto infalível que tem na escrita na hora de trabalhar nuances.

Há claras exceções, claro. Ball, como sempre, pinta um belo retrato de como estes personagens todos parecem buscar uma espécie de sonho americano que está longe existir, e o cenário de quase guerra que se aproxima deles deixa tudo muito tenso – e escancara a hipocrisia e o medo disfarçado de alguns. Portanto, Tabu não é só sobre Jasira e suas descobertas sexuais, mas sobre este plano no qual ela está inserida. Uma realidade banalizada que tenta se defender por trás de tabus. Jasira, com toda sua inocência, enxerga estes adultos amargurados à sua volta como eles realmente são, sem saber qual é o caminho que deveria seguir. Os conceitos do filme são claros e alguns diálogos, sensacionais. Nem tudo se encontra, porém, no final das contas. E o desfecho, que deveria representar uma catarse, surge pálido e enfraquecido justo pela abordagem um tanto desconexa do diretor. A trilha sonora, que seria fundamental, é um fracasso, tentando repetir as notas da trilha original de Beleza Americana composta por Thomas Newman, em vão.

Não é só a trilha que surge sem personalidade. A fotografia também possui raros momentos realmente expressivos e a edição deveria ter sido mais enxuta. São detalhes que podem parecem superficiais, mas que surgem imprescindíveis na hora de deixar o longa-metragem com aparência e sensação de obra realmente valiosa. Não é essa a impressão. O filme não deixa, porém, de ser altamente interessante, representando um olhar ácido e introspectivo para dentro da vida de personagens que são completamente fascinantes. O elenco colabora muito para o resultado final, todos atingindo êxito dentro dos respectivos papéis.

Bishil, que tinha 18 anos quando filmou suas cenas como Jasira, revela segurança e um talento natural em sua estreia no Cinema. Ela e Eckhart formam as melhores sequências do filme, principalmente por ele estar tão sensacional no papel que representa uma espécie de Lester Burnham mais jovial e pervertido. Já Peter Macdissi, como o pai de Jasira, encara a canastrice ao exagerar no tom do personagem, deixando-o cair na auto-paródia. Mesmo que o filme oscile diversamente para o tom mais irônico e bem humorado, há uma extravagância na personificação de Macdissi que afasta a audiência ao invés de criar uma sensação intimista. Isto ocorre, porém, com as maravilhosas Maria Bello e Toni Collette, em dois excelentes papéis. Enriquecido então pela versatilidade do elenco e naturalmente esperto por causa do texto em si, Tabu é um recomendável filme que, caso fosse dirigido por algum cineasta mais experiente, provavelmente teria sido bem melhor.
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Nothing is Private (2007)
Direção: 
Alan Ball
Roteiro: 
Alan Ball, baseado em romance de Alicia Erian
Elenco: Summer Bishil, Aaron Eckhart, Peter Macdissi, Toni Collette, Maria Bello, Chris Messina, Carrie Preston, Chase Ellison, Lynn Collins, Matt Letscher, Robert Baker
(Drama, 124 minutos)

11 comentários:

leo disse...

Fiquei curioso pelo filme após o texto,e como muitos devem saber sou encantado por tudo que Alan Ball faz (até mesmo dos altos e baixos de True Blood) a história parece ser interessante,mas acho que será realmente inevitável não fazer comparações a Beleza Americana.
Abraços

Kamila disse...

O elenco é muito bom, e tem Alan Ball, o que é suficiente para mim! :) Me lembro que a Summer Bishil foi bem elogiada pela performance nesta obra, chegando até a ser cotada para uma indicação ao Oscar, fato que acabou nem acontecendo.

Cristiano Contreiras disse...

Sou fã do Alan Ball, você sabe, ainda mais que eu me identifico com seus roteiros - e séries!

Este filme tem um elenco interessante, a abordagem me parece instigante, mas eu acho que poderei ter a mesma percepção sua quando assistir. E já havia lido mesmas opinioes sobre o filme - que poderia ter sido mais ousado, maduro. Enfim, vou conferir!

abraço

renatocinema disse...

Preciso conferir esse.

Sobre Bodansky (Bicho de Sete Cabeças) sou fã dela como diretora. Mas, ter votado no filme do Lula para o Oscar, fez ela cair no meu conceito. Totalmente.

renatocinema disse...

Olá. Dei 6 pipocas para "Natureza Selvagem" porque vejo ele como um filme divisor de águas. Ele combina livro, filme e trilha. Algo quase insano e impossível. Ao ser baseado em história verídica mereceu uma pipoca a mais.kkk.
abs

Mayara Bastos disse...

Parece um filme interessante, com um tema meio delicado. E ainda tem Aaron Eckhart, gosto muito do carisma dele. rsrs.

Beijos! ;)

bruno knott disse...

Wally, tb sou profundo admirador de A Sete Palmos. Quem cria um seriado como esse merece respeito para sempre. De qualquer forma, ele realmente não tem tanta experiência atrás das câmeras e pelo jeito isso ficou evidenciado aqui.

Mas... devo assistir!!

Abraços.

Sebo disse...

Preciso ver este filme, parece ser muito interessante. Tenho fé em Alan Ball, rs

[]'s
sebosaukerl.blogspot.com

cleber eldridge disse...

Eu adorei esse filme, Alan Ball realmente sabe como escrever e conduzir uma boa história ;D

Anônimo disse...

Tá aí um filme que tenho curiosidade de assistir! Nao conheço mta coisa de Alan Ball, com exceção de true blood que é fodástico XD

Abs!

Wally disse...

Leo: Ball é genial e é mais um interessante projeto dele. Mas no cargo de diretor, acaba comprometendo um pouco a história.

Kamila: Acho que você deve gostar, sim! Bishil está ótima, mas nada merecedor de indicação a Oscar.

Cristiano: Sinto que vai te agradar. Veja, é bem interessante.

Renato: Não sabia deste fato sobre a Bodansky. Triste. Já eu te entendo sobre "Na Natureza Selvagem", merece qualquer elogio este filme.

Mayara: Eckhart está excelente aqui, quase rouba o filme.

Bruno: E é exatamente isso mesmo, mas não deixa de ser um bom filme.

Sebo: Ball é um gênio, mas não tem muito futuro como diretor.

Cleber: Não cheguei a adorar, mas curti bastante.

Lematinee: Procure ver "Beleza Americana", um roteiro brilhante de Ball. E a série "A Sete Palmos", maravilhosa. Só depois procure "Tabu".

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