Paraíso perdido

"Paradise? Paradise can go fuck itself."
É muito difícil tentar compreender exatamente o que aconteceu em Os Descendentes. Se você conhece (e admira) a filmografia de Alexander Payne, sabe que o roteirista e cineasta vêm de ao menos três grandes obras – a comédia satírica Eleição, a crise existencial de As Confissões de Schmidt e uma nada ortodoxa comédia romântica chamada Sideways – Entre Umas e Outras. São todos filmes divertidos e inteligentes que brincam com as relações humanas e oferece um insight especial para as mesmas por meio de personagens memoráveis. Em Os Descendentes, o máximo que podemos levar pós-sessão são as atuações excelentes do elenco. O resto é tímido, raso e lamentavelmente desonesto para se levar em consideração.

Como em todos os filmes roteirizados por Payne, no epicentro de Os Descendentes está um homem angustiado e relutante que busca algum significado para sua existência trivial. Matt King é um milionário, dono de várias terras no Havaí, que precisa manter a sanidade da família depois que sua mulher sofre um acidente que a deixa em coma. Para piorar a situação, Matt descobre um segredo sobre Elizabeth que lhe desperta uma nova angústia: a de tentar compreender quem foi aquela mulher e o que fará para criar suas duas filhas. Capacidade para se tornar mais um filme expressivo de Payne não falta, mas no meio do caminho você se dá conta que o diretor não só parece estar no piloto automático ao lidar com as emoções de seus personagens, mas perdido ao tentar encontrar um tom para a obra.

Explico: Payne sempre flertou com o drama na comédia e com a comédia no drama em seus filmes, pontuando as nuances de cada gênero de formas orgânicas. Em Os Descendentes, temos algumas ótimas cenas que faltam liga uma com a outra na ausência de uma narrativa mais sólida e coerente. A comédia interfere demais no nosso relacionar com os personagens por ser, na maior parte das vezes, tola. O drama, por sua vez (e talvez por consequência disso), falta emoção genuína e principalmente honestidade para conectar com a audiência. Não acreditamos nas situações, o humor está sempre solto e os sentimentos engessados; artificiais. O que dizer, então, da narração em off completamente desnecessária que abre o filme? Como se os personagens e suas situações tivessem que ser analisadas antes do drama começar. É uma mania boba de filmes atuais que tira um pouco do elemento surpresa e também da sutileza.

Isso não quer dizer que Os Descendentes não tenha seus momentos. Todas as cenas que trazem Shailene Woodley (excelente) com as emoções nas mangas são especialmente boas. Incluindo aí uma antológica sequência que a traz chorando debaixo d’água. Amara Miller, que interpreta sua irmã, também possui boas cenas mais para o final. O destaque do elenco é, no entanto, George Clooney, em um de seus melhores desempenhos. Clooney compensa o que falta no roteiro. Encontra o tom certo para o personagem – a melancolia dosada de neurose, solidão e um pouco de incompreensão – fazendo com que certos diálogos funcionem muito melhor em contextos que acabam soando mais autênticos graças a seu carisma.

Os Descendentes acerta em outras duas sequências memoráveis; uma que coloca King frente a frente com o segredo de sua mulher e outra em que ele conversa com ela em seu leito (cena esta muito especial para o próprio Clooney). O desfecho é singelo e descobrimos ao final do longa que aprendemos a apreciar estes personagens. O problema é que são mesmo, no final das contas, apenas personagens. Não soam reais o suficiente para sensibilizar e seus dramas não são crus o suficiente para emocionar (e nem para levar consigo após a sessão). Os Descendentes finaliza então como um filme incompleto. Um filme que tem o paraíso a seu alcance, mas que falha estrondosamente – como o próprio King, que começa a dar valor a tudo só no final. Mas aí os créditos já estão rolando e a mensagem afável ao fim é de repente interrompida pela lembrança das piadas ruins ao longo da metragem (incluindo aí todas as cenas vergonhosas que tentam fazer humor com uma mulher em coma).


Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash; baseado em romance de Kaui Hart Hemmings
Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie, Robert Forster, Matthew Lillard, Judy Greer

6 comentários:

Kamila disse...

Poxa, eu gostei muito de "Os Descendentes". Achei um filme simples, porém muito emocionante, com um George Clooney revelando pela primeira vez um lado vulnerável seu como ator.

Matheus Pannebecker disse...

Minhas expectativas sempre são grandes com os filmes de Alexander Payne (né?), mas esse me decepcionou bastante... Até mais que "Sideways". Não acreditei quando "Os Descendentes" chegou ao fim sem qualquer surpresa, terminando banal e corriqueiro!

Mateus Denardin disse...

Também acho essa falta de equilíbrio entre comédia e drama comprometedora no filme. A meu ver, apenas a personagem de Woodley sai incólume do roteiro, porque o de Clooney, apesar de alguns bons momentos do ator, transforma-se no centro receptor e criador das piadinhas bobas que atravessam a história.

Alan Raspante disse...

Assisti por esses dias "Eleição" e foi o único do Payne até agora. Não estou muito ansioso para ver este, mas qualquer dia desses eu vejo... Afinal, não parece ser nada de demais mesmo, rs

Brenno Bezerra disse...

Em certo momento, achei a trama envolvente, mas depois se transformou em algo arrastado demais. Concordo com sua análise.

Thiago Lumi 7 disse...

Filme desinteressante e extremamente artificial. Adoro Sideways e, exatamente por conta disso, não posso deixar de afirmar que Payne se destacou sem merecimento algum.

Abraços e belo texto!

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